O Gosto do Chá

 

O Gosto do Chá

O Gosto do Chá

Pouco conhecido no cenário, Katsuhito Ishii é um dos cineasta mais interessantes dos anos 2000. Não apenas porque fez o roteiro de Redline, uma das animações principais dessa década, inspirada também em Speed Racer, como fez em 2000 Party 7, que certamente influenciou Tarantino a chamá-lo para ajudar na seçcão animada de Kill Bill – Vol. I,  e em 2004 este O gosto do chá. Se no ano seguinte ele faria um filme estranhíssimo, chamado Funky Forest – The first contact, composto por várias sketches, uma espécie de Creepshow em cenário oriental, alimentado pelo surrealismo, em O gosto do chá ele apresenta as principais características como realizador. Desde As coisas simples da vida, nos anos 2000, o cinema oriental compôs uma nova visão sobre as relações familiares. Não se trata de uma refilmagem das obras de Yasujiro Ozu, mas uma visão contemporânea.
O gosto do chá mostra a família Haruno, que vive na zona rural de Tochigui, ao norte de Tóquio, numa casa no meio da floresta. O pai, Nobuo (Tomokazu Miura), trabalha como hipnotizador e utiliza a própria família como experiência, principalmente diante da televisão. A esposa, Yoshiko (Satomi Tezuka), trabalha com desenhos animados. O filho, Hajime (Takahiro Sato), está no colégio e enfrenta os primeiros momentos de paixão por uma jovem (Anna Tsuchiya), enquanto tem amizade com o avô, Akira (Tatsuya Gashuin), que é um ex-animador.

O Gosto do Chá

E ainda há Sachiko (Maya Banno), a filha de 8 anos de idade, que enxerga continuamente a sua imagem em tamanho gigante. Ayano (Tadanobu Asano) é o tio da família, que trabalha como um engenheiro de som e vem visitar a família. Ele também tem a parcela mais ligada à fantasia, com memórias da infância, e participa em dois momentos centrais: o encontro com uma ex-namorada e a vista, de cima de uma ponte, de um homem estranho ao longe. E ainda há outro tio, Ikki Todoroki (ele próprio), artista de mangá que faz parceria com Ayano.
O que mais impressiona em Ishii é a facilidade de compor situações que parecem reais, mas sem o traço mais sóbrio do cinema oriental, que às vezes mantém um certo distanciamento do espectador. Os seus personagens costumam interagir com situações engraçadas e passam por certo constrangimento comum a todas as pessoas, ou seja, enfrentam momentos embaraçosos com certa sabedoria. O gosto do chá em nenhum momento pretende ser um panorama abrangente de vida, no entanto ele é. Há, na composição, elementos não apenas de dramas de Akira Kurosawa e Ozu como influência decisiva da cultura pop japonesa.
Em alguns momentos, é como se tivéssemos um retrato dessa cultura agitada de um ponto de vista equilibrado, quase zen. Vejamos, por exemplo, os homens vestidos de robôs dentro de um metropolitano em direcção à zona rural. A conturbada visão de Hajime do primeiro amor e a tentativa de se aproximar dela num grupo que pratica Go no colégio, depois das aulas, é, igualmente, de uma sensibilidade rara no cinema.

O Gosto do Chá

Os passeios de bicicleta desenham-se no meio a outras vinhetas, como uma passagem por uma loja de conveniência onde presencia um diálogo estranho e, quando vemos um comboio a sair da sua testa quando ele o perde, logo no início, dá o anúncio do que vem a ser O gosto do chá: uma visão extraordinária de coisas que, de outra maneira, não possuem nenhuma importância e não recebem nenhuma dimensão oficial.
De maneira geral, O gosto do chá não segue uma história linear, permitindo-se a algumas soluções de extracto surreal, no entanto sempre ligado a uma realidade quotidiana. O comportamento do avô da família é exemplar, neste sentido, assim como a ligação cultural de todos com a música, os jogos e as animações. Ishii compõe, por meio da imagem da mãe, essa aproximação da cultura de animes japoneses, fazendo com que a família seja, de certo modo, uma composição para quadradinhos – e não podemos menosprezar que essa sensibilidade se aproxima daquela que Ishii utiliza na sequência animada de Kill Bill – Vol. I, quando Tarantino pretende reunir actores de carne e osso com quadradinhos representando determinado momento de Beatrix Kiddo. O comportamento excêntrico do avô e as visões da menina Sashiko tornam essa ligação ainda mais acentuada. Ishii com certeza busca certa influência do cinema italiano e de Fellini, em Amarcord, desenhando as situações com a necessidade de uma aproximação com a natureza, o que não o impede de tornar a cultura japonesa representativa em todos os pontos em que seus personagens surgem.

 

No início, há um certo incómodo episódico e desse extracto mais diferenciado de surrealismo quotidiano, porém o espectador, aos poucos, vai-se acostumando aos personagens e isso provoca uma sensação de sentimento em expansão em relação a figuras que podem ser vistas como vagas se não fossem símbolos de uma sensibilidade maior e ilimitada. Ishii provoca, na moldura das imagens, um tipo de textura específica em que seus personagens parecem ganhar mais vida. Impressiona não apenas a utilização da casa de campo como também das estradas inóspitas e do colégio sempre ameaçado pela chuva, pela mudança de estações, que representa exactamente esses personagens. Belíssima a sequência em que Hajime imagina estar apaixonado e precisa empreender uma velocidade em seu passeio de bicicleta ou quando está no trem e uma lua atrás é aquilo que ilumina o que sente ao longo de seus jogos de Go. Ishii abre um espaço onde a impressão é que não existe nada de substancial e mesmo sólido, como se voltasse o espectador para um período da infância em que todas as coisas são descobertas surpreendentes, assim como seu notável filme.

Cha no aji/The taste of tea, Japão, 2004 Diretor: Katsuhito Ishii Elenco: Maya Banno, Takahiro Sato, Tadanobu Asano, Satomi Tezuka, Tatsuya Gashuin, Tomoko Nakajima, Ikki Todoroki, Tomokazu Miura, Anna Tsuchiya, Kirin Kin, Shinji Takeda, Susumu Terajima, Yoshinori Okada, Hideaki Anno, Emi Wakui Roteiro: Katsuhito Ishii Fotografia: Kosuke Matushima Trilha Sonora: Little Tempo Produção: Kazuto Takida, Kazutoshi Wadakura Duração: 143 min. Distribuição: Grasshoppa, Viz Pictures

 

Textos e fotografias
recolhidos da Internet

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