Ninguém sabe

 

Ninguém sabe

Ninguém sabe

Hirokazu Koreeda, para muitos o sucessor de Yasujirô Ozu, é, sem duvidas, um dos grandes cineastas actuais, provavelmente o maior expoente do cinema japonês moderno, e compará-lo com uma lenda como Ozu é injusto, pois Koreeda já deixou sua marca na 7ª arte e merece ser lembrado pelo próprio talento. Poucos realizadores tiveram tamanho êxito e esmero ao elaborar, através dos seus filmes, narrativas tão contundentes que discutem e desconstroem as relações familiares.

Em Nobody Knows(Dare mo shiranai), o realizador mostra, de maneira singela, silenciosa e lenta que apenas os filmes orientais conseguem, a história de 4 irmãos, que sem pai e abandonados pela mãe, têm de viver sozinhos num pequeno apartamento, independente da idade e inaptidão para lidar com o cruel mundo em vivem. Cabe a Akira(Yûya Yagira), o mais velho, a responsabilidade de alimentar e proteger os irmãos.

Um dos principais acertos da narrativa de Koreeda foi a construção da mãe das crianças, que apesar da situação absurda e revoltante que envolve os pequenos, é desenvolvida de uma maneira a evitar o maniqueísmo, tornando até difícil sentir o rancor natural decorrente da acção, bónus para a actuação de You. Enquanto na tela, a personagem soa afectuosa, brincalhona, dedicada e amorosa para com os seus filhos, claro que isso não inibe todas as falhas da personalidade (4 crianças de pais diferentes, os horários em que chegava a casa, o facto de não colocar os mesmos na escola). Porém, de maneira alguma se assemelha ao comportamento de uma mulher que abandonaria-os ao acaso, uma atitude fria e egoísta, o completo oposto de sua personalidade calorosa.

Ninguém sabe

Apesar do início envolvente, é a partir do segundo acto, após o abandono, que Koreeda brilha e nos brinda com uma obra memorável e sensível. O realizador não poupa o espectador, já que o filme, através das cenas, banda sonora e silêncio, choca muito mais do que qualquer Jogos Mortais por aí, sendo extremamente cru ao relatar a degradação que Akira e seus irmãos vão enfrentando conforme o tempo passa, quando já não possuem dinheiro para pagar o gás, luz ou água, e os meios por quais usam para defrontar todas as adversidades.
O cineasta, afinal, não precisa de dilacerações ou explosões para chocar e surpreender, a história faz isso por si mesma,já que são crianças em tela, crianças enfrentando problemas de adultos, um garoto de 12 anos procurando emprego para sustentar 3 irmãos. Crianças sem acesso a educação, alimentação e higiene, obrigados a uma independência precoce, destruindo assim a infância, fase essencial para o amadurecimento completo do ser humano.
E como podemos nós julgar os pequenos delitos de Akira para sustentar os mais novos? Crescendo sem ir a escola, sem amigos, sem um alicerce moral, sem afecto, sem carinho, sem o amor dos pais. Será justo julgar crianças que não possuem base de integridade nenhuma, que cometem erros pela simples falta de possibilidades e bases em sua vida? Será que o certo é mesmo confinar alguém assim numa prisão, ao invés de providenciar ensino e uma boa qualidade de vida? Apesar de se passar no Japão, essas questões mostram a universalidade da longa metragem, como a realidade pode transcender o oriente, sendo possível relacionar com uma situação ocorrida mais de 10 anos após seu lançamento, e no outro lado do mundo.

Ninguém sabe

A sociedade japonesa, apesar da imagem desenvolvida e imaculada que passa ao resto do mundo, têm justamente a severidade e rigidez como trata os jovens discutida na película. O princípio que acompanha o crescimento dos mesmos, de obter sucesso financeiro, de dívida para com o país, forçando a uma maturação precoce, interrompendo uma fase de brincadeiras e sorrisos. Também é discutida a irresponsabilidade e negligência de muitos ao terem filhos quando não possuem conhecimento e estrutura nenhuma para isso, um problema contextual, já que as taxas de abandono infantil no país nipónico são alarmantes – e é claro, a coberto dos mídia e governo, a fim de manter a imagem de integridade da terra do sol nascente.
Aliás, uma cena de brincadeiras e sorrisos é justamente uma das mais marcantes do filme, onde os irmãos finalmente são libertados do confinamento do apartamento, e apesar de todas os infortúnios e limitações os quais vivem, têm um pequeno momento para desfrutar da sua ingenuidade e energia, qual Koreeda filma de maneira quase estática, utilizando apenas de uma banda sonora infantil para nos mostrar o sentimento das crianças. É o realizador ditando o ritmo, não se tornando maior do que a obra em si.
A construção das personagens é muito apoiada pela actuação magistral dos pequenos actores: Yagira venceu merecidamente o troféu em Cannes pela interpretação de Akira, sendo até hoje o vencedor mais jovem do prémio. Momoko Shimizu também entrega uma melancólica e brutal actuação, mostrando, através de minuciosos detalhes e olhares, a dor e consternação que Yuki sente conforme o tempo passa e a mãe não volta, além do sacrifício de desistir do sonho em prol dos irmãos, papel que deveria ser da figura materna.
Nobody Knows é, acima de tudo, um exemplo do verdadeiro poder do cinema e tudo que pode representar. Ao final dos mais de 140 minutos de projecção, ocorre um conflito de sensações, pois o que foi-nos mostrado em tela é cruel e perturbador, além do golpe de ver exposta uma atitude tão mesquinha da nossa própria raça, uma atitude tão nojenta, e que mesmo assim se repete cada vez mais – porém, o cinema minimalista de Koreeda consegue, através da inocência e beleza dos jovens, fazer-nos sorrir, uma habilidade única de um mestre subestimado.

 

Textos e fotografias
recolhidos da Internet

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