Orson Welles


As gravações esquecidas dos insultos de Orson Welles

Entre 1983 e 1985, ano em que morreu, o realizador e actor norte-americano almoçou muitas vezes com o seu amigo Henry Jaglom. As gravações dessas conversas são agora reveladas. E nelas ficamos a saber que ele achava que Laurence Olivier era "estúpido" e que Richard Burton não passava de um vendido. Este novo livro é Orson Welles unplugged.


Welles morreu em 1985, aos 70 anos

Era dado a excessos e, dizem biógrafos e amigos, não costumava deixar opiniões e comentários pela metade. Talvez isto explique as gravações, agora reveladas, em que Orson Welles critica alguns dos seus colegas – actores e realizadores – sem poupar adjectivos nem comparações.

Estas gravações, explica o semanário britânico The Observer, foram feitas em conversas descontraídas com um amigo, em cuja garagem ficaram guardadas desde a morte do actor e realizador de O Mundo a seus Pés, em Outubro de 1985, aos 70 anos. Welles tencionava editá-las para uma autobiografia que estava a preparar e uma das conversas decorreu mesmo dias antes do ataque cardíaco que lhe seria fatal. Nessa, como nas outras, o seu interlocutor era o realizador Henry Jaglom, com quem também gostava de trocar ideias sobre política e literatura.

É ao amigo que diz que não suporta olhar para Bette Davis, que James Stewart é um “mau actor”, que Spencer Tracy é “odioso” e que Laurence Olivier é simplesmente “estúpido”. Quanto aos talentos interpretativos de Joan Fontaine, resume-os a “duas expressões faciais”, para Charles Chaplin reserva o adjectivo “arrogante” e à actriz Jennifer Jones chama “desesperante”.

Parte do conteúdo das conversas entre os dois amigos, gravadas em almoços regulares a partir de 1983, vai ser publicado a 16 de Julho em My Lunches with Orson. Peter Biskind, um dos maiores historiadores de cinema americanos que a elas teve acesso, garantiu ao semanário inglês que as gravações mostram Orson Welles na intimidade, falando sem constrangimentos dos altos e baixos da sua carreira e das pessoas com quem se cruzou, de Marilyn Monroe, que levava para a festas quando ainda ninguém sabia quem ela era, a Elizabeth Taylor, que não quis conhecer. Com Henry Jaglom, diz o historiador, Welles sentia-se “à vontade para coscuvilhar”, para ser homofóbico e racista, romântico e cínico.

É por isso que conta a Jaglom o episódio em que trocou Liz Taylor por um almoço em sossego: o actor Richard Burton, outro dos titãs de Hollywood, que Welles criticava por ter trocado o talento por uma vida com dinheiro e o casamento com uma celebridade (Liz, é claro, a quem o realizador raramente se referia usando a palavra “actriz”), aproximou-se da sua mesa num restaurante, cumprimentou-o e perguntou-lhe se poderia apresentar-lhe a mulher, que gostaria de o conhecer; e a resposta que recebeu do intempestivo actor foi: “Não. Como pode ver, estou a meio do almoço”. “Burton tinha um talento enorme. Mas deu cabo dos seus dons”, diz nas gravações que serão reveladas em breve o homem que ficará para sempre ligado à transmissão radiofónica de A Guerra dos Mundos. “Transformou-se numa anedota com uma celebridade por mulher. Agora só trabalha por dinheiro e faz as piores merdas.”

Mas nem tudo nestes encontros de amigos se resume à crítica mordaz de colegas de profissão. Por vezes – não muitas – Welles admite gostar do trabalho de um ou outro. Os actores John Wayne e Joseph Cotten (“brilhante”), seu co-protagonista em O Terceiro Homem, estão entre os eleitos. Já Alfred Hitchcock provoca-lhe sentimentos contraditórios, embora conseguisse arasar por completo um dos filmes do realizador de Psycho: “Nunca percebi o culto à volta de Hitchcock. Em especial [o dos] filmes americanos do final… Egocentrismo e preguiça. Vi uma destas noites um dos piores filmes de sempre [Janela Indiscreta]… Insensibilidade completa ao que uma história sobre voyeurismo pode ser. E digo-te o que foi surpreendente – descobrir que o Jimmy Stewart pode ser um mau actor… Até a Grace Kelly é melhor que o Jimmy, que se está a esforçar de mais.”

Nas gravações, há ainda espaço para as suas impressões de grandes personalidades como Franklin Delano Roosevelt ou Winston Churchill e para aprofundar o desalento dos últimos anos de vida, afastado da indústria de Hollywood devido à defesa obsessiva que fazia dos seus projectos, muitas vezes afastados das fórmulas comerciais dos estúdios, e sempre preocupado com a falta de financiamento para os seus filmes.

O historiador por trás de My Lunches with Orson resume assim o retrato de Orson Welles que sai destas gravações inéditas e do seu novo livro: “Ouvir Welles e Jaglom é [como] estar sentado à mesa [com eles]… Welles acaba por se revelar um amontoado de contradições, às vezes combativo, outras de uma vulnerabilidade infantil… Um homem tímido que se escondia… por trás de máscaras, mas que adorava expor-se.”

Vida e obra de Orson Welles

Bastou um filme - Citizen Kane - para que Orson Welles ganhasse o seu lugar na história do cinema. Actor, encenador e realizador, tornou-se numa figura lendária que para muitos personifica o próprio espírito da sétima arte

a A história é conhecida. No dia 30 de Outubro de 1938, uma vaga de pânico afecta cerca de dois milhões de norte-americanos que, aterrorizados, fazem todos os esforços para escapar a uma eminente invasão alienígena. Ainda que o episódio pareça estranho, não se tratou, no entanto, de qualquer espécie de alucinação colectiva. Era o efeito provocado pela difusão de uma adaptação radiofónica de A Guerra dos Mundos, de H. G. Hells, feita por Orson Welles.
O cineasta animava então na CBS o programa Mercury Theatre on the Air - nome que remetia para a companhia teatral homónima que criara em Julho de 1938 -, onde procurava adaptar uma série longa de textos literários ao meio radiofónico. Dotado de uma concepção inovadora de encenação e de espectáculo, Welles decidiu ler o texto na primeira pessoa, criando a ilusão de que o ataque dos extraterrestres está a ser descrito em directo pelas pessoas que o estariam a viver. Além do pânico generalizado, a difusão de Welles causou também uma onda de mediatismo em torno do actor/encenador que atrairia a atenção dos grandes estúdios de Hollywood.
Desde cedo que Welles se habituara a ser o centro das atenções, revelando ainda em criança ser dotado de uma excepcional capacidade criativa.
Filho da pianista Beatrice Ives e de Richard Head Welles, herdeiro diletante de uma família abastada, George Orson Welles nasceu em Kinosha, no Wiscosin, a 6 de Maio de 1915. A sua mãe costumava contar que, com apenas dois anos, Orson se recusou a escutar uma versão para crianças dos dramas de Shakespeare e a obrigou a utilizar o texto original do dramaturgo britânico. Verdade ou não, certo é que, em 1918, o rapaz se estreia nos palcos numa encenação de Sansão e Dalila, na Ópera de Chicago, e que aos 10 anos adapta, dirige e interpreta O Médico e o Monstro, de Robert Louis Stevenson, e Scrooge, de Charles Dickens. Em 1925, já o Madison Journal dedica um artigo ao adolescente prodígio intitulado: "Autor de BD, actor e poeta com apenas 10 anos de idade".
Orson Welles parece ter nascido para o mundo do espectáculo, de tal modo que aos 16 anos, já órfão de pai e mãe, parte para a Irlanda, onde é contratado como actor primeiro pelo Dublin Gate Theatre e depois pelo Abbey Theatre. O rapaz estava, contudo, determinado a não se limitar a "fazer de actor" e de regresso aos Estados Unidos depressa abraça a encenação teatral. Mais tarde, seguiam-se os programas radiofónicos e, em 1933, experimentava pela primeira a realização cinematográfica ao dirigir a curta-metragem The Hearts of Age. A sua grande aventura no cinema só teria, todavia, início oito anos mais e começaria da melhor forma: com o seu filme de estreia, Citizen Kane (1941), Welles punha o mundo a seus pés.
Actor, realizador, mestre incontestado do cinema, Orson Welles concluiu apenas 12 filmes em cerca de 30 anos de carreira. Figura lendária, apontada por muitos como a personificação do próprio espírito da sétima arte, constituiu uma fonte de inspiração para várias gerações de realizadores. O próprio François Truffaut afirmava: "Pertenço à geração de cineastas que decidiu fazer filmes depois de ter visto Citizen Kane."

1915 - George Orson Welles nasce em Kinosha, no Wiscosin, a 6 de Maio.
1918 - Estreia-se em palco em Sansão e Dalila na Ópera de Chicago.
1924 - A sua mãe morre e o seu pai viria a falecer seis anos mais tarde.
1926 - Começa a representar com regularidade na escola de rapazes Todd School of Woodstock.
1931 - Parte para a Irlanda, onde trabalha como actor no Dublin Gate Theatre e no Abbey Theatre.
1933 - Regressa aos EUA. Trabalha como actor na companhia de Katherine Cornell.
1934 - Filma a curta-metragem The Hearts of Age.
1935 - Inicia as suas colaborações com a rádio.
1937 - Leva à cena César, a primeira produção do Mercury Theatre que criou com John Houseman.
1938 - Interpreta dramas radiofónicos para a CBS, entre os quais a famosa adaptação de A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells.
1939 - Assina o seu primeiro contrato de produção cinematográfica com a RKO.
1941 - Estreia Citizen Kane, a sua primeira longa-metragem.
1943 - Casa com Rita Hayworth, de quem se divorciaria quatro anos depois.
1945 - Inicia a sua colaboração com o New York Post.
1953 - Edição, em francês, do seu primeiro romance Une Grosse Légume e primeira aparição na televisão em O Rei Lear, encenado por Peter Brook.
1955 - Primeira difusão de uma série de programas televisivos para a BBC intitulados Orson Welles Sketch Book.
1962 - Estreia de O Processo.
1970 - Começa as filmagens de The Other Side of the Wind que nunca viria a ser terminado.
1974 - F de Fraude é apresentado no Festival de San Sebastian (Espanha).
1985 - Morre vítima de um ataque cardíaco a 10 de Outubro.



Em 1939, Orson Welles chega a Hollywood para assinar o seu primeiro contrato cinematográfico com a RKO, a menos poderosa mas também mais inovadora das cinco maiores produtoras de então. Welles, a quem é dada a liberdade de ser actor, produtor, argumentista e realizador dos seus próprios filmes, compromete-se a dirigir duas películas para o estúdio.
O seu primeiro filme deveria ter sido O Coração das Trevas, uma adaptação do romance de Joseph Conrad, mas depois de vários meses de produção o projecto acaba por ser abandonado em prol de Citizen Kane - O Mundo a Seus Pés. Embora se tenha tornado num filme de referência da história do cinema, o carácter inovador da obra não foi bem recebido pelo público aquando da sua estreia em Maio de 1941.
Insatisfeita, a RKO exigiu a Welles que começasse desde logo a produção do segundo filme previsto no contrato. É neste contexto que surge O Quarto Mandamento, uma vez mais uma adaptação de uma obra literária ao cinema, desta feita do romance de Booth Tarkington The Magnificent Ambersons. O filme conta paralelamente a história da decadência de uma família aristocrática, os Ambersons, e a ascensão social do burguês Eugene Morgan, cujo amor Isabel Amberson recusa, mas que se revela um inventor genial e um futuro industrial do automóvel.
Envolvido em vários projectos em simultâneo, Welles foi forçado a entregar as filmagens de O Quarto Mandamento a uma segunda equipa de produção, pelo que a versão final da película é bem diferente da que originalmente planeara.

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