Em quase 90 anos, os prémios da Academia distinguiram cinema político ou de causas, mas também foram palco para discursos imprevistos e palmas ou apupos vigorosos.
JOANA AMARAL CARDOSO 26 de Fevereiro de 2017

Direitos civis, direitos dos homossexuais, raça, golfinhos ou aquecimento global - não há hashtags que resumam todos os momentos, causas ou protestos políticos feitos na ágora dos Óscares. Hollywood produziu um Presidente, Ronald Reagan, e recebeu um punhado deles nos prémios da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. A televisão foi o amplificador que levou os prémios a dezenas de milhões de pessoas e criou momentos em que tudo era possível. Como Marlon Branco ver um Óscar, ironizou o Los Angeles Times, como uma oferta que podia recusar.1973 - Brando e O Padrinho
Sacheen Littlefeather subiu ao palco a 27 de Março para rejeitar o Óscar de Melhor Actor para Marlon Brando por O Padrinho. Alguns aplaudiam, outros, muitos mais, apupavam a desfeita. Littlefeather, que se chamava Maria Cruz e envergava vestes tradicionais dos nativos americanos, explicava que o Óscar ficaria com a Academia “pelo tratamento actual dos índios americanos pela indústria do cinema e na televisão, nas repetições de filmes e com os acontecimentos recentes em Wounded Knee”, onde membros de várias tribos ocuparam território e protestaram contra o então presidente tribal Richard Wilson, situação que viria a arrastar-se nos meses seguintes e a causar a morte de dezenas de índios americanos.
Era o grande comeback da carreira de Brando, o melhor actor de sempre, e tornou-se parte da história dos Óscares, e nem sempre da parte mais solene. Em 2016, por exemplo, Leonardo DiCaprio usou o seu tempo de antena quando venceu o Golden Globe por O Renascido para voltar a lembrar os direitos dos índios americanos e no discurso do seu primeiro Óscar voltou à sua causa maior, as alterações climáticas.
1975 - Bert Schneider e a Guerra do Vietname
O documentário Hearts and minds recebeu o Óscar mas nunca foi unânime. Versa sobre a Guerra do Vietname, um dos momentos mais divisivos da história americana e um dos pontos de fricção social e político da contracultura da década de 1970. Na cerimónia, subindo ao palco para agradecer o prémio o produtor Bert Schneider pegou num papel que passou a ler. Era um telegrama do embaixador Dinh Ba Thi, um dos representantes dos Vietcong nas conversações de paz que decorriam em Paris nessa altura. “Saudações de amizade a todo o povo americano”, terminava a mensagem que agradecia aos “amigos na América” pelos progressos nos acordos de paz.
Já em 1973, Jane Fonda, que ainda não se tinha tornado em Hanoi Jane, a actriz que foi ver o que se passava no terreno no Vietname e foi fotografada com militares vietnamitas para desagrado dos conservadores e patriotas americanos, aceitou um Óscar sem politização pelo seu protagonismo de Klute. Só nos bastidores é que se atirou à política externa norte-americana e classificou o que os EUA estavam a fazer na antiga Indochina como “homicídios”.
1978 - Vanessa Redgrave e Israel vs. Palestina
Era a quarta nomeação de Vanessa Redgrave, dama dos palcos e do cinema britânico, e a única que ganharia (até hoje). Redgrave, que desde o início da década de 1960 era politicamente activa e até candidata a deputada pelo partido revolucionário dos trabalhadores no Reino Unido, era também apoiante da OLP, a Organização pela Libertação da Palestina e defensora de que a luta contra o anti-semitismo e pela auto-determinação dos palestinianos faz parte de uma mesma causa.
Nesse âmbito, realizou o documentário The palestinian, que suscitou críticas e boicotes (e apelos aos estúdios que não lhe dessem trabalho) por parte de organizações judaicas. Subiria ao palco em Abril de 1978 depois da decisão da Academia de lhe dar o Óscar de Actriz Secundária por Julia (um filme em que interpretava Lillian Hellman, activista anti-nazi). Agradeceu à indústria ali reunida e representada por não ter sido “intimidada pelas ameaças de um pequeno punhado de rufias sionistas cujo comportamento é um insulto ao estatuto de judeus em todo o mundo” e à sua história. Lá fora, vários membros da Jewish Defense League protestavam frente a apoiantes da OLP.
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